A diretora-presidente da GM prometeu aniquilar o que chamou de um "padrão de incompetência e negligência
A diretora-presidente da General Motors Co. prometeu aniquilar a cultura corporativa responsável pelo que ela chamou de um "padrão de incompetência e negligência" que levou a montadora a demorar 11 anos para fazer o recall de carros equipados com um interruptor de ignição defeituoso.
A acusação mordaz feita por Mary Barra, uma executiva que passou toda sua carreira dentro da GM e herdou a atual crise logo depois de ter assumido a liderança da montadora em janeiro, coincidiu com a divulgação, pelo governo americano, de um relatório financiado pela empresa que poderia aprofundar a vulnerabilidade jurídica da GM e as investigações por reguladores, promotores e parlamentares.
O relatório de 315 páginas escrito pelo ex- procurador americano Anton Valukas concluiu que as informações sobre os interruptores de ignição defeituosos, que podiam desativar-se subtamente, desligando o veículo e desativando os airbags, passaram de mão em mão em um " número impressionante de comitês" dentro GM.
Isso levou a um desrespeito "preocupante" à responsabilidade e a consequências devastadoras, concluiu Valukas. Até agora, a GM atribuiu pelo menos 54 acidentes e 13 mortes às falhas no interruptor de ignição e airbags. O diretor-superintendente da GM, Dan Ammann, não descartou a possibilidade de que o número de mortos seja ainda maior.
No relatório, Barra é citada por uma descrição que ela mesma fez da cultura da GM, em que gestores participavam de reuniões, mas muitas vezes não assumiam responsabilidade por nenhuma ação urgente, preferindo repassá-la a outros.
Durante uma reunião com funcionários no centro tecnológico da empresa, Barra, de 52 anos, procurou transformar a divulgação do minucioso relatório num momento crucial para transformar a gestão da montadora depois de décadas de uma sucessão de disfunções, concordatas e, agora, a crise de recalls.
"Vamos assumir a responsabilidade por nossos erros e fazer tudo que estiver ao nosso alcance para garantir que nunca acontecerão de novo", disse ela.
Barra prometeu expandir uma reformulação da organização das áreas jurídica e de desenvolvimento de produtos da empresa para garantir que informações sobre problemas de segurança não fiquem confinadas em "silos".
O relatório, como esperado, exime Barra, o conselho de administração e os subordinados diretos dela. Barra disse que 15 funcionários deixaram a empresa - mais da metade deles, executivos - e outros cinco serão punidos devido a ações impróprias ou por não terem respondido como deviam às provas, acumuladas durante anos, da gravidade do defeito dos interruptores.
A GM não quis identificar os funcionários pelo nome, mas confirmou que dois engenheiros envolvidos com o projeto do interruptor defeituoso foram demitidos. Advogados e funcionários responsáveis pela segurança e relações com os reguladores também perderam o emprego, segundo pessoas a par do assunto.
O relatório coloca grande parte da culpa pelos problemas de ignição no engenheiro Raymond DeGiorgio, que aprovou o projeto inicial do interruptor de ignição em 2001, embora ele soubesse que ele não cumpria os padrões da GM, segundo o relatório. Depois que os problemas vieram à tona, DeGiorgio alterou o desenho, mas não contou a ninguém sobre a mudança e não atribuiu um novo número identificador para o interruptor, o que poderia ter alertado a GM para os problemas, concluiu o relatório.
Como resultado, os invesgiadores da empresa ficaram no escuro durante anos. Valukas disse que os funcionários da GM foram "enganados" por DeGiorgio, cujo nome foi citado mais de 200 vezes no relatório.
O relatório é um grande passo no esforço de Barra para tentar manter sob controle a crise causada pelos recalls e os resultados do relatório preenchem muitas das lacunas que ela se negou a responder quando foi questionada pelos legisladores americanos. Ela agora enfrenta uma batalha árdua para incutir, no longo prazo, um senso de urgência e responsabilidade individual numa empresa que durante anos foi administrada por meio de reuniões, apresentações de Power Point e uma matriz complexa de departamentos cujos membros muitas vezes tinham pouco conhecimento sobre o que estava acontecendo em outras partes da organização.
A GM ainda está batalhando contra uma investigação criminal do Departamento de Justiça, um processo da Securities and Exchance Comisssion, a CVM americana, e processos civis relativos aos acidentes envolvendo o problema na ignição que causaram mortes, feridos e prejuízos econômicos. Comissões do Congresso americano estão investigando o tratamento dado pela empresa a defeitos envolvendo questões de segurança. Espera-se que Barra deponha novamente ainda este mês.
O senador do Partido Democrata Richard Blumenthal disse que o relatório "não é apenas uma janela para a incompetência da GM, mas também para seu fracasso em reconhecer total responsabilidade". O presidente da comissão de Energia e Comércio da Câmara, o deputado do Patido Republicano Fred Upton, disse que a GM e as autoridades federais "devem continuar a cooperar e a fornecer respostas honestas à medida que trabalhamos para determinar o que deu errado, se existem lacunas na lei que permitiram falhas no sistema e quais medidas podem ser necessárias."
Barra e Ammann reiteraram que a GM seguirá adiante com um esforço para compensar as vítimas dos acidentes relacionados ao defeito, usando um fundo criado e dirigido por Kenneth Feinberg, especialista em indenizações. Ele também decidirá quantas mortes podem estar ligadas ao problema na ignição.
"Estou reunindo algumas ideias preliminares, vou falar com os advogados de acusação, a companhia e outros e elaborar um plano nas próximas semanas", disse ontem Feinberg.
Separadamente, o presidente do conselho da GM, Tim Solso, disse que o conselho tem "mantido um advogado independente para nos orientar a respeito da situação. Nós vamos estabelecer um comitê independente de risco para dar assistência e monitorar esses esforços."
O relatório de Valukas usou "fracasso" ou palavras semelhantes mais de 150 vezes. O relatório descreve como informações sobre problemas na ignição do Chevrolet Cobalt trocaram de mãos por vários comitês. Engenheiros da companhia que investigavam queixas sobre falhas nos sistemas de airbag não conseguiram localizar documentos importantes dentro do banco de dados da GM que poderiam tê-los ajudado a fazer uma conexão entre esses defeitos e problemas no interruptor de ignição, que já eram bem conhecidos em outro departamento. Mesmo quando executivos seniores do setor de engenharia e qualidade da empresa notaram, no fim de 2013, que um recall poderia ser necessário, eles esperaram semanas para atuar, enquanto pediam a subordinados que levantassem mais dados.
"Se a equipe da GM tivesse conectado os pontos e entendido como seus próprios carros são construídos, poderia ter abordado o defeito de segurança antes que lesões e mortes tivessem ocorrido", concluiu o relatório.